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Homem Na Cozinha
Assunto Sério
Caros Homens de Valor
Eu não tenho certeza se é hype, mas cada dia mais tenho visto homens na cozinha. Não estou falando de lavar a louça, mas de preparar belos pratos. Tanto na TV paga quanto no YouTube, cada dia aparece um homem novo fazendo novas receitas na cozinha. Chego a afirmar que atualmente temos mais homens do que mulheres cozinhando.

Nos últimos 30 anos, a presença masculina na cozinha brasileira passou por uma transformação significativa, refletindo mudanças sociais e culturais. Historicamente, a cozinha era vista como um espaço predominantemente feminino, mas essa percepção tem mudado gradualmente. Talvez por este processo de uma sociedade mais moderna que prega a igualdade de gêneros? É plausível essa tese, porém prefiro encontrar refúgio mais no lado da importância do ato da comida, do papel do homem cozinhando e como isto interage com o ambiente da família e amigos. Hoje, a presença masculina na cozinha é amplamente aceita e incentivada. Homens de todas as idades estão se envolvendo mais na preparação de refeições, seja como hobby ou profissão. A cozinha deixou de ser apenas um lugar para preparar comida e se tornou um espaço de convivência familiar, criatividade e até mesmo terapêutico. A figura do pai que cozinha para a família ou do jovem que busca se expressar através da culinária é cada vez mais comum e valorizada.

Não somente a presença do homem na cozinha ficou muito mais evidente, como também a sofisticação ou a gourmetização deste processo. O homem era o predestinado para somente preparar um churrasco 35 anos atrás. E o churrasco era aquela sola de sapato. Ha 35 anos atras ninguém vinha com este negócio de carne malpassada, ao ponto, ou ponto mais. Já dizia meu pai: para de frescura e come aí! Atualmente, o macho cozinheiro faz lapas de carnes de 10 cm de altura com técnicas das mais diversas para que cada elemento participante escolha seu próprio “ponto da carne”. Vira assunto seríssimo à beira até de desentendimentos de quem possui a melhor qualificação do churras.

Eu ainda prefiro falar de homem na cozinha contemplando outros aspectos deste tema. Para minha família, cozinhar é um assunto seríssimo. E não me refiro à gourmetização de um prato, mas sim de como o ato de cozinhar envolve a família, em especial a minha família com raízes italianas. Cozinhar é um evento importantíssimo. A cozinha familiar italiana envolve a casa toda. A base da comida italiana é a simplicidade máxima com o melhor ingrediente possível e com um preparo corretíssimo. Cozinha italiana não mistura arroz, feijão e macarrão. Não mistura muitos sabores complexos em um prato. O preparo do almoço de domingo na casa dos meus avós começava no sábado. Meu avô saía no sábado de manhã para a feira comprar exatamente o que ia se comer no domingo, pois queria tudo o mais fresco possível. Nada de sobrar. A compra era para o almoço especificamente. No resto da semana era outra rotina também de comprar o que se come no dia.

Na família, as tarefas da comida são divididas. O macarrão, quem fazia a massa, era minha avó. A massa saía todas as vezes exatamente igual, com as mesmas medidas. Já meu avô era responsável por abrir a massa com o rolo na mesa e depois passar na trefila manual – aquelas que rosqueavam na borda da mesa. Com a massa trefilada, era só por o pau da vassoura no quintal e deixar secando um pouco até o cozimento. Ele também preparava a base do molho – lavar tomate, cebola, picar tudo e entregar para minha avó preparar o molho em si. Jamais havia uma disputa entre eles ou entre qualquer um da família de quem fazia o melhor espetáculo. Era um espetáculo da família, com homem e mulher fazendo papéis específicos para no final, o resultado ser simplesmente o que se era esperado. Uma comida simplíssima, com ingredientes frescos e de alta qualidade e tudo muito saboroso. A família toda lambendo o prato no final!

Cozinhar, exceto em uma profissão, é um ato de amor e de reunião da família. Felizmente sobrou para mim a missão de recriar as receitas da minha família. Herdei dos meus avós um caderno de todas as receitas secretas da família. Um livro bastante antigo, todo escrito manualmente pela vó, com todas as receitas que minha ela fazia e que, em uma época que a escrita era o refúgio da memória, ficou tudo muito bem escrito aqui. As folhas do caderno já estão amarelas, descolando – mas a essência está toda lá.

Livro de Receita da Família
Mas tem uma parte interessante em toda esta história da cozinha da família italiana. O orgulho de falar que ninguém faz igual uma determinada receita. Isto tem. Meu avô fazia pastel aos domingos como um aperitivo antes do almoço. Nesta, ele fazia tudo meio que sozinho. Minha avó só fazia a massa e a fritura. Meu avô preparava a carne, abria a massa, recheava e fechava o pastel. Ninguém conseguia saber como meu avô preparava aquela carne do pastel, mas todo mundo tinha certeza que havia um segredo. E tinha mesmo, já nos anos finais dele, ele contou que escondia um preparo de sal com um tempero e que sem ninguém perceber ele jogava no preparo da carne. Coisa de homem. Segredos de homens. Estou rindo agora escrevendo esta história que marcou uma fase da vida.
Cozinhe como homem de verdade. Ninguém quer saber que você é o fera gourmet 5 estrelas Michelin. As pessoas querem sentir o sabor do amor que você coloca na panela e da importância que colocamos na reunião familiar.
Boa semana.
Luigino Rigitano